sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

CUBA - por Alessandro Guerra Mendonça

Cuba
1950 – 2011



Alessandro Guerra Mendonça
2011





Sumário

1- Introdução ------------------------------------------------------------------------------ 3
2- Digreção sobre a História de Cuba -------------------------------------------------- 4
3- Período pré Revolução ---------------------------------------------------------------- 7
4- A Revolução Cubana ------------------------------------------------------------------ 9
5- A Construção de um Novo País ----------------------------------------------------- 13
6- Desenvolvimento e Declínio do Socialismo --------------------------------------- 16
7- Conclusão ------------------------------------------------------------------------------- 20
8- Bibliografia ----------------------------------------------------------------------------- 21


































1 – Introdução

Este trabalho faz parte do cumprimento das avaliações da disciplina “História da América no Contexto Capitalista” da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé.
O objeto em foco é dissertar sobre a história de Cuba no período de 1950 aos dias de hoje. A linha teórica a ser seguida será a abordagem dos fenômenos políticos, sociais e econômicos de Cuba e sua inserção nos contextos internacionais desta natureza, a saber: a expansão marítimo-comercial dos séculos XV e XVI, na qual os países europeus “descobriram” a América; o imperialismo norte-americano a partir do século XIX; e a Guerra Fria. Esperamos deixar claro que Cuba fora o país latino-americano onde os contornos das conjunturas internacionais, bem como os problemas daí derivados, foram os mais agudos da América, e que a superação dos mesmos é prova do sucesso da Revolução Cubana e do socialismo. Para isso, embora tenhamos um recorte temporal específico, precisaremos fazer uma pequena digressão a cerca da história cubana, pois sem ela ficaríamos carentes sobre a significação dos fenômenos sociais e dos processos históricos em Cuba. A partir daí, trataremos sobre o período que antecedeu a Revolução de 1959, a Revolução propriamente dita, a construção de um novo país sob o sistema socialista, e o desenvolvimento e declínio do mesmo.













2 – Digressão sobre a História de Cuba

Antes de entrarmos no período foco deste trabalho, ou seja, entre 1950 e 2011, é preciso fazer uma pequena digressão a respeito da história de Cuba. Isso se faz necessário devido: i) a classificação da história do ponto de vista cronológico não coincide efetivamente com o início e o fim dos processos históricos de modo que possamos fazer um recorte temporal exato que os explique, ou seja, o estabelecimento de datas e marcos para registrar os acontecimentos históricos têm apenas o sentido de facilitar a localização daqueles processos no tempo. ii) isso se deve ao fato de que os fenômenos sociais não surgem nem desaparecem de forma instantânea, com recortes exatos no tempo, ou seja, os fenômenos sociais possuem raízes legadas de conjunturas passadas que podem conferir maior ou menor grau de influência no presente. iii) mesmo acontecimentos demasiado afastados do período em análise podem legar à determinada sociedade características que estarão presentes na mesma de forma peculiar e marcante, ou seja, fenômenos sociais podem preencher a estrutura das relações políticas, sociais e econômicas de determinada sociedade mesmo já tendo sido dissipados, como por exemplo, a exploração colonial e a escravidão típica dos países latino-americanos, fenômenos que, embora abolidos, deixaram sequelas ainda hoje significativas para as sociedades que conviveram com eles.
Cuba tem sua história moderna, assim como toda a América Latina, inserida em três contextos internacionais amplos, ocorridos em períodos distintos, porém determinantes regionalmente: o primeiro se refere ao processo de expansão colonialista das potências européias, encabeçado, sobretudo por Espanha e Portugal, a partir do século XV; o segundo ao imperialismo norte-americano a partir do século XIX com a manifestação da doutrina Monroe, “A América para os americanos”; e o terceiro, a Guerra Fria. Esse retorno demasiado longínquo, dado o recorte temporal desejado, tem importância fundamental no estudo sobre Cuba e toda América Latina, pois neste momento serão lançadas as raízes de uma nova história – nova na medida em que toda a região e as sociedades autóctones sofreram mudanças irreversíveis, quando não destruídas e apagadas da história no caso da segunda, por ocasião da chegada dos países europeus à América – raízes estas que possuem grande papel na significação da história recente destes países.
O objetivo das potências européias no processo colonizador iniciado no século XV era, a princípio, pilhar tudo o que fosse possível e num segundo momento instalar nas novas terras empreendimentos produtores de artigos tropicais primários destinados ao mercado europeu ou para suprir a saga colonialista. Cuba fora o principal entreposto entre toda a América Central e a Europa, cobiçada por todos os colonizadores, piratas e corsários, e dada a sua localização estratégica, se tornou uma forte praça militar. A partir do século XVIII, com a penetração da Inglaterra, devido à quebra do monopólio de comercialização com a Espanha, a monocultura da cana-de-açúcar é introduzida. Para isso lançava-se mão da ocupação das terras em larga escala através do arrasamento das florestas nativas, da escravização da população indígena local e, posteriormente, da introdução do escravo africano. Essa temática foi a pedra de toque durante toda a ocupação européia na América, assim, claro está que o legado não poderia ser diferente: o extermínio da população autóctone, a miséria, a dependência política e econômica, o atraso tecnológico, o preconceito racial, a degradação ambiental, a fragilidade das instituições públicas, o antagonismo entre classes, a independência em termos jurídicos, mas não políticos e econômicos, a soberania frágil etc. Estes aspectos estão presentes em todos os países da América Latina, porém em Cuba ganharam formas mais expressivas, assim como sua superação.
O processo de independência de Cuba possui grande relevância para compreendermos sua história recente. Foi neste momento que a ilha se livra do colonialismo espanhol e cai nas mãos do imperialismo norte-americano. A luta pela independência cubana se inicia em 1895, liderada por José Martí, Máximo Gómez e Antônio Maceo, com um exército formado sobretudo por escravos libertos. A Espanha, de todas as formas, tentou impedir este empreendimento, infligindo as maiores atrocidades possíveis, inclusive à população civil: estima-se em 300 mil o número de mortos no processo de independência para uma população de pouco mais de um milhão e meio de habitantes .
Ao início do século XIX, a história da colonização na América Latina recebe um novo componente: a declaração do presidente Monroe “A América para os americanos” deixa claro que os EUA têm o interesse de afastar as potências européias, que a essa altura já haviam fatiado a África e a Ásia, para manter o controle da região e torná-la sua área de influência, o que logo acontece com o Caribe. Em meados do século XIX os EUA já eram o principal parceiro econômico de Cuba, muito embora a colônia pertencesse à decadente Espanha, e neste sentido vê na guerra de independência cubana a oportunidade de se apoderar definitivamente da ilha, forjando um ataque ao encouraçado Maine de sua própria marinha e atribuindo o fato às forças espanholas quase derrotadas. Com esse pretexto e o pseudo apoio a Cuba, os EUA realizam sua intervenção militar na ilha, roubando dos cubanos a autonomia da vitória pela independência que se deu com a expulsão dos espanhóis em 1898, e inaugurando o novo imperialismo a que Cuba ficaria submetida. Assim, os EUA conseguiram evitar o avanço da presença inglesa, como ocorreu com outros países recém saídos do domínio colonial português e espanhol, iniciando o processo de construção de sua hegemonia na América Latina, e concretizavam sua ambição de anexar a ilha do Caribe, já demonstrada há muito tempo, como declarou ao início do século XIX o presidente Jefferson: “Devemos colocar a seguinte questão: desejamos adquirir para nossa Confederação algumas províncias hispano-americanas?...Confesso sinceramente que sempre fui de opinião que Cuba seria a aquisição mais interessante que poderíamos fazer para juntar ao conjunto de nossos Estados...O domínio desta ilha e da Florida nos daria o controle do Golfo do México e dos países do istmo...” .
O EUA mantiveram a ocupação da ilha até que a constituição cubana fosse aprovada com várias emendas que lhes garantiam vantagens econômicas, o direito de instalar bases militares, como a base no Estado de Guantánamo que lá está até hoje, entre outras medidas que cerceavam a soberania de Cuba. Paradigmático dessa postura é o artigo III, que assim prescreve: “O Governo de Cuba aceita que os Estados Unidos possam exercer o direito de intervir para preservar a independência cubana e a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, da propriedade...” .
A dependência econômica de Cuba diante dos EUA recrudesceu sua condição de monocultura exportadora de cana-de-açúcar. A produção do açúcar respondia apenas aos estímulos e interesses da economia norte-americana, que impedia qualquer possibilidade de diferenciação, industrialização e autonomia econômica. “Em pouco tempo, 3/4 do comércio exterior de Cuba se faziam com o seu novo e poderoso tutor” . “Cuba comprava dos Estados Unidos não só automóveis e máquinas, produtos químicos, papel e roupa, mas também arroz e feijão, alho e cebola, banha, carne e algodão” . Este desequilíbrio nas relações comerciais concorria para manter a dependência de Cuba, ou seja, o peso de suas exportações para os EUA era de extrema relevância para sua economia, ao passo que as exportações deste para Cuba não possuíam relevância econômica diante de sua grande economia, fenômeno este característico em toda a América Latina. Este fato era agravado devido à economia cubana ser baseada apenas na monocultura canavieira, pois as oscilações do preço do açúcar no mercado internacional e da cota anual importada pelos EUA a afetavam sensivelmente, o que tornava a dependência deste uma realidade necessária. No âmbito político, o Estado era ocupado alternadamente pelas forças conservadoras locais pró Tio Sam, todavia o poder definitivo cabia a este, e sempre que via seus interesses ameaçados não hesitava em adotar sua política intervencionista, ou Big Stick, principalmente através de meios militares, política essa inaugurada com Theodore Roosevelt e garantida constitucionalmente em Cuba. A dominação norte-americana, todavia, não se limitava às esferas econômicas e políticas, mas também no plano social, cultural e ideológico, ou seja, através da internalização da cultura e das ideologias fundia-se no seio sociedade cubana a ideia que o alinhamento e submissão aos EUA eram necessários e inevitáveis. Completava-se assim a construção da hegemonia norte-americana sobre Cuba, iniciado através de força militar e econômica.

3 – Período pré Revolução

A dominação econômica e política a que Cuba estava submetida criava profundos problemas na sociedade. O sucesso da Revolução bolchevique de 1917 introduz ideias que incrementam as manifestações populares, sobretudo dos trabalhadores das usinas de açúcar e fábricas de tabaco, contrárias aos regimes subservientes aos interesses norte-americanos. Neste contexto surge a Federação de Estudantes Universitários de Cuba e a liderança de Julio Antonio Mella . Diante da conturbada conjuntura social, o imperialismo dos EUA, em aliança com os setores cubanos conservadores beneficiados por ele, se sustentava através de regimes cada vez mais autoritários. Em 1925 é instaurada uma violenta ditadura com a ascensão do General Geraldo Machado. Inúmeros líderes trabalhadores e estudantis são assassinados, entre eles Julio Antonio Mella, em 1929. A violenta repressão aos movimentos sociais e as consequências da crise econômica dos anos de 1930 tornaram a permanência de Machado no poder insustentável, fazendo-o abandonar o país em 1932. Neste ano surge na cena política a figura de Fulgêncio Batista liderando um golpe militar e colocando Grau San Martín à frente do governo cubano, que diante da penúria na qual a população vivia, bem como das agitações empreendidas, implementa várias reformas progressistas, como o estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas e o direito de voto para as mulheres , que no entanto não são suficientes para amenizar as reivindicações por um governo aos moldes soviético e, sobretudo, anti-imperialista. As insurreições foram violentamente reprimidas por Batista que, com a renúncia de Grau San Martín em 1934, se torna a eminência parda por traz dos frágeis e curtos governos formados até 1940, quando ele mesmo convoca eleições e as vence. Seu governo é marcado, tal como os anteriores, pela subserviência aos EUA, corrupção, desemprego, inflação e perseguição aos movimentos populares e liberais. Seus sucessores, Grau San Martín novamente, e depois Prío Socarrás, seguem a mesma linha de governo. A alternância de presidentes, eventualmente opositores entre si, não significava mudança de projetos políticos e econômicos, mas apenas uma luta entre os setores conservadores da ilha que não pretendiam romper com a política de alinhamento automático com os EUA; somando-se a isso a corrupção, o abandono a que a população estava submetida, a repressão aos movimentos populares etc., e foi crescendo no seio da sociedade cubana a insatisfação e movimentos organizados como o Partido do Povo Cubano. Prevendo que não venceria o pleito presidencial contra o candidato deste partido, em 10 de março de 1952 Batista dá um golpe militar com o aval dos EUA, que temia a vitória de uma liderança popular cuja principal bandeira fosse a luta contra seu imperialismo. Com isso, o país se mantém mergulhado nos problemas já existentes, com o projeto político até então aplicado, porém agora com todas as possibilidades de luta democrática cerceadas, já que o Congresso e a Suprema Corte foram fechados, instituições públicas usurpadas, todos os poderes foram concentrados em Batista.

4 – A Revolução Cubana

A Revolução Cubana, ao contrário do que se possa imaginar, não foi obra apenas da consciência de Fidel Castro e seu grupo, pois existia na ilha toda uma atmosfera de revolta contra as arbitrariedades da ditadura Batista, bem como com uma extensa lista de problemas sociais e econômicos derivados, sobretudo, do imperialismo norte americano e da subserviência das elites locais. Foi através de Fidel, todavia, que este sentimento fora canalizado para um projeto organizado de derrubada de Fulgêncio Batista. Fidel Castro fora estudante de direito na Universidade de Havana, onde participou intensamente do movimento estudantil, sempre engajado nas ações por direitos sociais e contra o imperialismo norte-americano. Com a ascensão de Batista através do golpe de 1952, as formas de luta democrática desapareceram, outra chance não se apresentava que não as ações paramilitares. Dessa forma, em 1953, tem início a primeira grande ação de tentativa de tomada do poder pela via militar: o assalto ao Quartel Moncada, localizado em Santiago de Cuba, na parte oriental da Ilha, lado oposto ao da capital, onde se concentravam os principais contingentes militares. Cerca de 160 insurgentes atacaram o Moncada em 26 de julho daquele ano. A falta de organização, de equipamentos de comunicação e os precários recursos militares tornaram a ação desastrosa. O ataque havia sido descoberto por uma ronda, tirando assim seu caráter de surpresa, tendo os rebeldes sofrido inúmeras baixas, muitos sendo presos e posteriormente assassinados, e os que conseguiram escapar do combate se refugiaram na Sierra Maestra, entre eles Fidel e seu irmão Raul Castro, mas foram capturados em seguida.
Fidel assumiu sua própria defesa por ocasião do ataque ao Moncada, e descreveu-a num documento (seu discurso no julgamento) intitulado “A História me Absolverá”, no qual denunciava as arbitrariedades do governo Batista para com os rebeldes, mostrando que muitos não haviam sido mortos em combate, mas sim a sangue frio; invocava o direito de luta rebelde contra a tirania; denunciava a penúria na qual a população vivia; e apresentava as leis revolucionárias que depois se transformariam no programa do Movimento 26 de Julho, data do assalto ao Quartel Moncada. Fidel e os líderes da revolta, entretanto, foram condenados a 15 anos de prisão. Dois anos após a ação em Santiago de Cuba, aproveitando-se da abertura política promovida pelo governo, que decretava o fim da censura à imprensa e o retorno das garantias constitucionais, um grande movimento pela anistia aos presos que atacaram o Moncada forçou Batista libertá-los.
A organização e atuação contra o governo Batista se tornaram impossíveis; o policiamento sobre o Movimento 26 de Julho, o fechamento dos órgãos de imprensa que lhe davam apoio e a cooptação das instituições democráticas e demais forças políticas, fizeram o movimento abandonar a via democrática e se exilar no México para reorganizar a luta armada contra a ditadura, restabelecer a democracia, e combater o imperialismo norte-americano. A partir do exílio, o movimento iniciou grande campanha de propaganda revolucionária contra Batista, costurou alianças políticas com a burguesia cubana exilada – mais interessada em retomar seus privilégios do que instaurar um governo popular – com o Diretório Revolucionário e o Partido Socialista Popular, tendo o objetivo de obter o maior apoio político possível e recursos para a campanha militar, que era o grande ponto divergente entre estes grupos, já que o 26 de Julho defendia a luta clandestina de guerrilha rural, e os demais, as insurreições urbanas. No México, com poucos recursos e conhecimento militar, iniciaram seus treinamentos para a guerrilha. É neste momento que ao movimento são integradas duas personalidades de crucial importância: Ernesto Guevara, médico argentino que acabara de sair da Guatemala, onde participava da experiência democrática do governo Jacobo Arbenz - derrubado por um golpe militar apoiado pelos EUA – e profundo conhecedor dos problemas sociais dos povos latino-americanos, pois havia feito uma viagem de motocicleta por toda a América Latina; e Camilo Cienfuegos, jovem rebelde cubano também interessado na causa do 26 de Julho. Assumiram papéis simples no grupo, porém, posteriormente, se transformaram nos grandes personagens da Revolução ao lado de Fidel.
Em novembro de 1956, 82 guerrilheiros saíram do México com destino ao litoral sul de Cuba a bordo do iate Granma, barco com capacidade para transportar apenas de 20 pessoas. A viagem foi demasiado complicada, a superlotação de pessoal mais os equipamentos sobrecarregaram os motores da embarcação, e o mar agitado os fizeram permanecer sete dias no mar, e não os quatro previstos no planejamento. Dada a demora no desembarque, o exército desconfiou da ação devido às manifestações populares no oriente da ilha, que anunciavam o retorno de Fidel. Somando-se a isso, o esgotamento do combustível fez o grupo desembarcar em local diferente do esperado, sem o apoio dos grupos locais e numa região de mangue que dificultava a mobilização. Cansados, os rebeldes não se deslocaram imediatamente para a Sierra Maestra, e assim foram pegos de surpresa pelo exército, travando-se inesperadamente o primeiro combate do qual apenas 12 guerrilheiros sobreviveram. Ao se reagruparem em local seguro da Serra, todos se espantaram com o entusiasmo de Fidel, que afirmava que com aqueles homens e com aquelas poucas armas haveriam de vencer a ditadura.
Mas a Revolução não foi obra apenas desses homens: o Diretório Revolucionário, o Partido Socialista Popular e, principalmente, o Movimento 26 de Julho, construíam nessa conjuntura, a contra-hegemonia à ditadura Batista, com movimentos articulados nas esferas democrática e clandestina. A notícia de que Fidel havia sobrevivido ao ataque do exército, quando do desembarque do Granma, trazia euforia a um sem número de cubanos, pois ele representava o símbolo da resistência contra Batista e os EUA. Após chegarem à Sierra Maestra, os guerrilheiros passaram a conhecer mais a fundo a realidade do campesinato, ou seja, a exploração de seu trabalho, a violência dos latifundiários, e o conluio das autoridades com essa situação, efeitos de um modelo capitalista agroexportador controlado por interesses norte-americanos, e com a conivência do governo ditatorial de Batista, que deixava não só os camponeses, mas toda a população acuada e sem perspectiva de vida. Dessa forma, através da difusão do programa do Movimento 26 de Julho, que pretendia, dentre outras coisas, transferir a posse da terra para a população, expropriar os grandes latifúndios e integrar os pequenos produtores na indústria da cana-de-açúcar, a confiança dos camponeses foi sendo pouco a pouco conquistada. Ao mesmo tempo, o exército rebelde promovia ajuda médica, sanitária e de alfabetização, e o recrudescimento das ações contra a ditadura. Com isso, os camponeses passaram a auxiliar a guerrilha, deixaram de ser espectadores para se tornarem a principal personagem do triunfo da Revolução.
O movimento não possuía estratégias bem definidas: a tática era fazer da Sierra Maestra a base da guerrilha, muito embora houvesse em vários pontos da ilha focos insurrecionais, e através de pequenos ataques e sabotagens às forças de Batista, conquistar espaços e moral revolucionária. Através da adesão da população, sobretudo camponesa, e da propaganda revolucionária, a guerrilha se fortalecia, avançava pela região oriental da ilha, desmoralizava Batista e ganhava notoriedade internacional, como no caso do sequestro do campeão de automobilismo Juan Manoel Fangio em 1958, por ocasião do Grande Prêmio de Cuba que teve de ser suspenso .
A essa altura o exército rebelde já possuía grande contingente, sendo dividido em colunas, a primeira delas entregue a Che, a segunda a Raúl, a terceira a Juan Almeida e a última ao comando de Camilo Cienfuegos, ficando Fidel no comando geral da Revolução. A rebelião já ameaçava o regime ditatorial e, dessa forma, foram mobilizados dezenas de milhares de soldados numa ofensiva à Sierra Maestra, contando com blindados e aviões bombardeiros norte-americanos. A estratégia de resistência dos rebeldes, no entanto, infligiu ao exército de Batista grandes perdas humanas, físicas, materiais e psicológicas, além de reforçar a estrutura rebelde com os armamentos e materiais militares expropriados. Diante dos abalos sofridos por Batista, a guerrilha passava da posição defensiva para a ofensiva, e assim as colunas de Raúl e Almeida foram destacadas para reforçar as posições orientais, já praticamente livres, e iniciar o trabalho humanitário de construção de escolas e hospitais; já as colunas de Che e Camilo se mobilizaram para o ocidente, com os objetivos de dividir a ilha em duas partes, declarando a oriental sob comando do exército revolucionário, e avançar em direção a Havana, capital do país. Neste momento, Batista já estava desesperado. Convocou eleições fraudulentas, assassinou presos políticos, e tentou sua última cartada para frear a coluna de Che que avançava em direção à capital, enviando um trem blindado com grande contingente militar à cidade de Santa Clara, tomada por Che. Antes mesmo de tomar posição, o trem foi descarrilado, promovendo um grande revés à operação, na qual a maioria dos soldados entregou suas armas sem resistência diante do cerco dos rebeldes e da consciência que já os acometia, fazendo-os crer na vitória de um exército legitimado pelo povo sobre o regime tirano que eles estavam defendendo.
Em 31 de dezembro de 1958 Batista fogiu do país, as colunas de Che e Camilo entraram em Havana em 3 de janeiro de 1959 sem encontrar resistência, uma greve geral foi organizada para desarticular as poucas mobilizações dos militares que haviam assumido o governo e a 8 de janeiro de 1959, o país inteiro comemorava a chegada de Fidel a Havana, saudado por todo o povo cubano que vibrava com a fuga de Batista e o triunfo da Revolução.

5 – A Construção de um Novo País

Após a vitória sobre a ditadura de Batista os desafios apenas começavam: era preciso reconstruir um país há mais de três séculos sob exploração estrangeira, a princípio espanhola e em seguida norte-americana. Fragilidade institucional, dependência econômica, corrupção, miséria, desemprego, analfabetismo, prostituição, jogo, enfim, um país desgraçado, sobretudo devido à violência imperialista e à hegemonia imposta com a subserviência política promovida pelas elites conservadoras locais refugiadas nos EUA, principalmente em Miami – de onde passaram a promover as ações publicitárias e terroristas contra Cuba.
Após instaurar um novo governo no qual Fidel assumiu a função de primeiro ministro, os primeiros passos foram acabar com as instituições que apoiavam Batista, o congresso eleito de forma fraudulenta e a polícia, confiscar seus bens e punir os colaboradores do seu regime. Para isso foram instaurados tribunais que contavam com a participação do povo sedento por justiça, ou vingança, que colaboraram na identificação de assassinos, torturadores e todo tipo de colaborador da ditadura: a pena de morte, ou paredón, foi aplicada a aproximadamente 400 pessoas, mas não sem todos os direitos de defesa , algo explorado pela mídia internacional, sobretudo dos EUA, para desclassificar o novo governo, comparando-o como apenas mais uma ditadura. Outras medidas foram imediatamente tomadas, como a redução dos aluguéis e das tarifas de serviços, substituição da moeda em combate à especulação, início das reformas na educação, saúde, etc., e o combate às drogas e aos cassinos da máfia norte-americana ligada a altos cargos políticos dos EUA, e que havia transformado Cuba num grande prostíbulo com o amplo apoio de Batista, seu exército e polícia.
Neste momento, as bandeiras revolucionárias ainda não possuíam caráter socialista, pois o programa de governo estava baseado no documento de defesa de Fidel quando esteve preso, “A História me Absolverá”. Entre as primeiras medidas do programa estava a Reforma Agrária, que expropriou os latifúndios, promoveu a distribuição de terras e organizou os camponeses em cooperativas. As outras medidas do programa eram: participação dos operários no lucro das empresas, confisco de bens malversados, política de solidariedade entre os povos latino-americanos democráticos acometidos por ditaduras . Muito antes dessas medidas os EUA já demonstravam preocupação com Fidel e seus guerrilheiros, evidenciada através de cooperação militar com o regime deposto, fornecendo armamentos, treinamento e colaborando diretamente nos bombardeios à Sierra Maestra. Batista havia se exilado na República Dominicana e de lá articulava a contra-revolução com a burguesia cubana exilada nos EUA. À medida que as ações do novo governo de Cuba caminhavam no sentido democrático, os interesses das empresas norte-americanas e da burguesia local eram contrariados, o que recrudescia os atentados contra-revolucionários a Cuba, planejados inclusive pela CIA, muitas vezes direcionados à própria pessoa de Fidel. A cada ação do governo cubano, como a nacionalização das empresas norte-americanas, United Fruits, Texaco e Esso, havia uma retaliação dos EUA, de onde partiam pequenos aviões para bombardear as plantações de cana e também a capital Havana. Nesta belicosa conjuntura, os EUA pararam de fornecer petróleo a Cuba e de comprar seu açúcar, fazendo a ilha buscar um novo parceiro na política externa bipolarizada devido à Guerra Fria, inicia-se assim o ingresso profundo de Cuba na terceira grande conjuntura internacional a que fazemos referência, pois claro estava que este parceiro seria a URSS, tendo em vista que na luta pela hegemonia internacional, esta e os EUA buscavam áreas de influência, fechando os espaços um do outro. Dessa forma, em 1961, são costuradas as primeiras relações políticas e econômicas com a URSS: esta passaria a comprar o açúcar da ilha e a fornecer-lhe petróleo. Era o início da inclinação em direção aos países do bloco socialista, que logo incluiu o estreitamento das relações diplomáticas com a China e o Leste Europeu. Soma-se a isso que, do ponto de vista geoestratégico, ter uma área de influência no Caribe, próximo aos EUA, era de grande interesse para a URSS e uma grande ameaça para o primeiro. Dessa forma, as ações contra-revolucionárias ganhavam corpo, milhares de terroristas se infiltraram no país para executar toda espécie de sabotagem contra o governo revolucionário, porém um episódio seria marcante neste sentido: em abril de 1961, desembarcaram 1500 homens na Baía dos Porcos, sul de Cuba, cubanos exilados e mercenários norte-americanos com apoio aéreo dos EUA. A resposta foi dada, a princípio, pelas milícias populares criadas para defender a Revolução e em seguida pelas tropas do exército comandadas pessoalmente por Fidel, que rechaçaram os inimigos. A imprensa norte-americana fazia seu papel na disseminação da ideia que as próprias tropas e a população haviam se voltado contra Fidel e que o mesmo havia morrido em combate. O governo dos EUA assumiu a participação na tentativa de golpe. Para resguardar a Revolução, o governo mobilizou todo o povo, além das milícias armadas foi criado o Comitê de Defesa da Revolução (CDR), organizado em cada bairro para ficar sempre vigilante contra qualquer tentativa de ações contra-revolucionárias . Neste sentido, o governo cubano infiltrou homens nas organizações contra-revolucionárias sediadas em Miami, o que evitou inúmeros atentados terroristas à ilha. E este talvez seja um dos episódios mais famosos e tristes da história cubana, pois os oficiais da inteligência cubana abandonaram suas famílias em prol da causa revolucionária; alguns foram descobertos, presos e julgados sem amplo direito de defesa, uns capitularam, porém cinco deles estão presos até hoje nos EUA. A consequência profunda de um movimento inicialmente voltado para derrubada da ditadura e implementação de medidas democráticas, foi minar as bases do capitalismo, contrariando os interesses norte-americanos e da burguesia cubana. Assim, as relações entre Cuba e EUA se deterioravam e, de forma inversamente proporcional, as relações de Cuba com a URSS se desenvolviam. Dessa forma, ao início de 1961 os EUA rompem todas as relações com Cuba decretando o embargo político e econômico que prometia, ainda, retaliar todos aqueles que mantivessem relações com a ilha; Colômbia e Venezuela aderem imediatamente . Em 1962 Cuba é expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) devido à pressão dos EUA: todos os países latino-americanos romperam relações políticas e econômicas com a ilha; mas não apenas estes, como também todo o mundo ocidental sob hegemonia norte-americana se posicionou ao lado do capitalismo na geopolítica da Guerra Fria. E neste mesmo ano o mundo se viu na iminência de uma grande guerra entre EUA e URSS que assumiria dimensões catastróficas, dado o desenvolvimento bélico, sobretudo de armamento nuclear, desses países. A URSS instalou uma base com mísseis nucleares em Cuba, descoberta pelos norte-americanos que imediatamente fizeram um bloqueio naval impedindo navios soviéticos de aportarem na ilha, acirrando as tensões. Para sorte do mundo o impasse foi resolvido de forma diplomática. Sem manter relações políticas, e principalmente econômicas, com o mundo ocidental, a única alternativa para Cuba era se aproximar cada vez mais do bloco socialista. Todavia, a aliança com a URSS e os países do bloco socialista não se limitou às questões políticas e econômicas, mas também ideológicas, pois significou a definição sólida do significado da Revolução, que agora passara a ser socialista.

6 – Desenvolvimento e Declínio do Socialismo

Praticamente isolada, as dificuldades da ilha se multiplicavam, com sua economia baseada predominantemente na monocultura canavieira; simples produtos do cotidiano desapareceram com o embargo, já que praticamente todos eram importados. A complexidade dos problemas extrapolava os acordos comerciais com a URSS, que garantia o fornecimento de petróleo e a compra do açúcar. Os meios de produção foram estatizados, mas a industrialização num país que tivera toda sua história econômica ligada à monocultura para exportação não era possível dada a falta de desenvolvimento científico e de corpo técnico qualificado para tal empreendimento: à economia não restava alternativa que não o continuísmo da indústria canavieira. Com as dificuldades econômicas, a implantação da gratuidade dos serviços públicos e a consolidação do socialismo enfrentavam dificuldades, porém à medida que Cuba rompia definitivamente com os resquícios de capitalismo e a posição ideológica do Bloco Histórico que se formava assumia feição socialista, a relação com a URSS se solidificava: no plano comercial Cuba passara a fornecer, além de açúcar, frutas e tabaco, e recebia outros produtos agrícolas, equipamentos industriais e bélicos, além de petróleo. Os acordos, todavia, deixaram de ser meramente comerciais e passaram ao plano científico e tecnológico. A partir daí a agricultura foi mecanizada e outras atividades econômicas se desenvolveram concorrendo para a diversificação econômica do país.
Ao final da década de 70 a economia cubana estava recuperada e em franco desenvolvimento, embora dependente de uma potência econômica. Mesmo assim, o socialismo se assentava em bases mais sólidas: no plano social Cuba alcançava resultados vistos apenas em países ricos, o esporte e a cultura foram integrados à educação, logrou-se grande desenvolvimento no cinema, teatro, literatura e artes em geral; na saúde as ações de medicina preventiva substituíram as políticas de remediação, que favoreciam as grandes indústrias farmacêuticas. A Revolução chegara à sua plenitude e ganhava cada vez mais o apoio popular, enquanto as ações contra-revolucionárias perdiam força. A partir de 1976 o sistema político foi organizado em forma de Poder Popular, ou seja, qualquer cidadão poderia se candidatar para as assembléias municipais, que elegem os membros das assembléias provinciais, e que por sua vez elegem a Assembléia do Poder Popular, isto é, a assembléia nacional. Embora o país possua apenas um partido, os cidadãos não precisam estar afiliados a ele para concorrerem a um cargo público, pois suas campanhas são igualitárias, públicas e arcadas pelo Estado.
No plano político internacional, a Revolução Cubana representou um grande exemplo na luta contra os imperialismos, não apenas para os países da América Latina, mas para todo terceiro mundo. Este fenômeno preocupou os EUA ao ponto do mesmo patrocinar ditaduras militares por todo o continente para afastar a “ameaça comunista”, pois mais ameaçador do que o exército e as armas cubanas foi a ideologia socialista vencedora em Cuba. Pode-se afirmar ter sido esta a primeira grande derrota – a segunda seria o fracasso na Guerra do Vietnã – dos EUA no contexto da Guerra Fria, fato agravado pelo fato dessa nação socialista estar no continente americano, e a apenas 140 km da Flórida. De forma solidária, Cuba apoiou todos os movimentos contra as ditaduras, estivessem elas na América Latina, principalmente na América Central, ou na África, onde a presença de Che demonstrava toda sua coragem revolucionária, lutando no Congo. Posteriormente, Guevara foi morto em 1967 na Bolívia, pelo exército desse país, mas com apoio de militares norte-americanos. Se outras experiências socialistas não obtiveram êxito na América Latina nas décadas de 60 e 70, como desejava Che no seu projeto de disseminação da Revolução e da luta antiimperialista, à exceção da Nicarágua, isso se deve, em parte, à violência dos governos ditatoriais contra os movimentos desta natureza, graças ao apoio norte-americano que não intencionava perder outra batalha na Guerra Fria, e à eficácia dos mecanismos de cooptação e alienação da sociedade de consumo capitalista, que entorpecem a maior parte das populações latino-americanas.
A queda do bloco comunista em 1989 e a desintegração da URSS em 1991 inauguraram uma nova fase na história de Cuba, e este momento ficou conhecido como “período especial”. Com isso Cuba perdia seus principais parceiros comerciais e a estabilidade econômica garantida por acordos sólidos que ignoravam a volatilidade dos preços internacionais. A exportação de açúcar diminuiu drasticamente, a importação de todo tipo de artigo de consumo idem, mas acima de tudo, o petróleo garantido pela URSS foi reduzido à metade . Este evento não apenas impedia o processo embrionário de industrialização do país, mas principalmente, mergulhava a sociedade num período de grande dificuldade, no qual o abastecimento de produtos básicos foi comprometido, a dieta do cubano foi alterada sobremaneira e o racionamento de energia deixava as cidades em longos períodos sem luz. Diante das dificuldades, a imprensa internacional, os setores conservadores cubanos e os EUA contavam as horas para a queda do governo de Fidel. Para superar a crise, Cuba foi obrigada a fazer mudanças no sistema econômico, abriu as portas para o capital estrangeiro, principalmente para serem aplicados no turismo que passou a ser a principal fonte de divisas para o país, permitiu pequenas propriedades privadas e quebrou o monopólio sobre o plantio da cana-de-açúcar, organizando os produtores em cooperativas e permitindo que estes comercializassem a produção excedente. O país passou a conviver com duas moedas, o Peso Cubano com baixo poder de compra, e o CUC, na qual as transações na indústria do turismo ocorrem, alterando significativamente o poder de compra de quem possui moeda forte ou fraca. Estas modificações introduziram na sociedade cubana certas diferenças econômicas: as pessoas que possuíam pequena capacidade material para explorar a indústria do turismo, como possuir um carro e transformá-lo em taxi, ou a habilidade com os artesanatos aproveitada com a possibilidade de construir uma propriedade privada, lograram certa vantagem em relação aos demais. A diferenciação econômica entre os indivíduos não é suficiente para criar classes antagônicas, contudo a diferença do nível de vida é visível e amarga ao socialismo cubano. Os que vivem do turismo ganham mais do que os médicos e professores, principais atores no conjunto dos direitos sociais, pois recebem em pesos cubanos, e os primeiros em moeda forte (CUC). Em Havana há um sem número de desocupados que preferem arrancar um dólar por dia do turista a trabalhar, pois assim ganharão mais do que muitos professores e médicos, ou dedicar-se à venda de charutos e rum falsificados ou contrabandeados das fábricas. Existe venda de drogas e prostituição, porém voltados principalmente para os turistas; o pleno emprego não é mais uma realidade, a habitação e o transporte público são insuficientes, mas ao contrário dos países de sistema capitalista, em Cuba os direitos mais fundamentais são garantidos gratuitamente. As insatisfações ocorreram, contudo não o suficiente para implodir o sistema socialista cubano, muito bem defendido pelas lideranças revolucionárias e construído em bases sólidas, e que havia exterminado com a ditadura de Batista, acabado com a exploração capitalista, expulsado a máfia, erradicado o analfabetismo, criado sistemas educacionais e de saúde de primeiro mundo. Dessa forma, o apoio da população foi incondicional, e mais uma vez determinante. Destarte, podemos acreditar que a permanência das lideranças da Revolução no poder, a ampla democratização dos direitos sociais e a garantia mínima de vida mesmo num período de grave crise – ao contrário do que ocorreu no leste Europeu e na URSS, onde a solução foi aderir à economia de mercado, o que causou grandes danos à sociedade – foram responsáveis pela manutenção do governo socialista, ao contrário do esfacelamento que ocorreu com o restante do bloco socialista na Europa.

7 – Conclusão

Cuba talvez seja o exemplo mais claro do reflexo dos movimentos políticos e econômicos conduzidos pelas potências econômicas nas três conjunturas internacionais que citamos, e das dificuldades impostas aos países da América Latina por estarem a reboque destes: primeiro pela colonização espanhola, através da violência, do sistema de exploração econômica baseado na monocultura canavieira, e da escravização, sobretudo de africanos; segundo, pelo imperialismo norte-americano e suas intervenções militares, sabotagens, e bloqueio econômico; e terceiro, pela retaliação sofrida no contexto da Guerra Fria em função do ingresso de Cuba no bloco socialista. Esses problemas foram enfrentados, em maior ou menor grau, por todos os países da América Latina, porém podemos dizer que em Cuba suas cores e formas foram mais nítidas. Cuba foi um dos últimos países a se tornar independente na América, com as intervenções norte-americanas se dando de forma maciça e prolongada. As retaliações através da propaganda anti-socialista persistem até os dias de hoje, somando-se a isso o fato de que Cuba é o único país da América submetido a um embargo político e econômico que dura desde 1961, responsável certamente pelos principais problemas enfrentados pela ilha.
A independência cubana chegara de fato apenas em 1959, já que em 1898, ao expulsar os espanhóis à custa de centenas de milhares de pessoas, sua soberania foi retirada à força pelos EUA, inaugurando uma nova fase de dominação estrangeira. Em 1959, sob a liderança de Fidel Castro e Che Guevara, ente outros, Cuba inicia sua verdadeira experiência democrática. As dificuldades de implantação de um sistema socialista num país subdesenvolvido foram grandiosas, ao contrário do que Marx preconizava, ou seja, o socialismo como superação do modo de produção capitalista desenvolvido, o socialismo cubano se assentou numa economia agro-exportadora. Além do mais, o imperialismo norte-americano instalado na ilha há mais de meio século associado à burguesia local dificultava este empreendimento. É certo que, a princípio, a Revolução tinha apenas o objetivo de despojar o regime ditatorial de Batista e restabelecer a democracia, porém isto causou uma ruptura com o sistema capitalista de tal forma que empurrou a ilha em direção ao bloco socialista, e ao socialismo. A adesão ao bloco socialista não lhe proporcionou autonomia, pois da forma como se deu, ou seja, fornecendo de bens primários em troca bens acabados, viu impedido e defasado o seu processo de industrialização. Foi apenas com esses laços, contudo, que Cuba logrou solidificar os objetivos da Revolução de 1959, passando de um país sem soberania, dominado pelo imperialismo norte-americano em conluio com a burguesia local representada por governos corruptos e refúgio de mafiosos, a uma das nações mais igualitárias do mundo, onde direitos sociais são universais, a miséria e o analfabetismo foram erradicados, a educação, a saúde, a cultura, o esporte e o lazer são gratuitos e de qualidade, conferindo a Cuba índices de primeiro mundo no que se refere à qualidade de vida. A queda do bloco comunista, todavia, abalou consideravelmente essa superestrutura , fazendo muitos pensar que o socialismo havia chegado ao fim e que Cuba estaria arruinada. O socialismo cubano não chegou ao fim, muito ao contrário, ainda é o maior expoente de luta contra o capital que conhecemos, muito embora sobreviva com graves mazelas às dificuldades econômicas que se seguiram à deterioração dos serviços públicos. A introdução da pequena propriedade privada concorre para criar desigualdades sociais, o que, no entanto, nem de longe significa a exploração de uma classe sobre outra. Todavia, a grande coesão social com a qual toda população trabalhava em prol da sociedade foi abalada , pois agora muitos trabalham individualmente pelo seu futuro, e não de forma coletiva para o futuro de todos. As novas gerações não conviveram com os dias gloriosos da Revolução, mas ao contrário, vivem numa conjuntura econômica e social debilitada e sob influência da sociedade de consumo propagandeada pelas rádios e TV`s norte-americanas que chegam a Cuba. Soma-se a isso o contato com pessoas de outros países, devido à abertura ao turismo, que alimenta os seus sonhos materiais. Os desafios para Cuba manter as conquistas da Revolução são grandes, embora o Estado e o Partido Comunista Cubano mantenham em bases sólidas essa premissa. O mais importante é que a democracia social e o sistema socialista não estão ancorados num governo, ou numa elite, mas sim em todo o povo. A Revolução Cubana é um orgulho para todos, o que lhe confere legitimidade e fôlego para enfrentar estes desafios, e da mesma forma que Cuba reflete mais nitidamente os problemas impostos aos países da América Latina, é lá também que a democracia assume sua forma mais nítida, mas apenas para quem sabe enxergar.









Bibliografia

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GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2008.


GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1989.

PERRAULT, Gilles. O Livro Negro do Capitalismo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000.

SADER, Emir. Cuba: Um Socialismo em Construção. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2001.

Sites:

http://www.cubagob.cu/ - Sitio del Gobierno de la República de Cuba

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